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Associado de Valor
28/02/2021




Jorge Moreira cresceu na e com a Ourivesaria Martins, onde começou a trabalhar com apenas 11 anos. Soma já 56 anos de profissão e é há muito tempo o proprietário da casa que o acolheu e o viu crescer. Encara com tristeza os dias que vivemos, mas também com a esperança de que em breve as pessoas voltarão à rua, devolvendo a vida à cidade. 


Circunstâncias dos tempos que vivemos, as portas da Ourivesaria Martins estão fechadas, à espera que passe a pandemia. Nunca esta casa tinha estado de portas fechadas, em 106 anos de vida. Mais de metade desse tempo já é contado na primeira pessoa por Jorge Moreira, que aqui trabalha há 56 anos. Começou aos 11 anos, como aprendiz e mais tarde acabou por adquirir o negócio. “Ainda trabalhei com o fundador desta casa, o Sr. Martins, ele faleceu cinco anos depois de eu começar a trabalhar aqui e o negócio teve outro proprietário, o Sr. Alves”, recorda. Nesta altura já havia nesta empresa dois funcionários cujas relações de amizade profunda os haviam de tornar nos novos proprietários. “Eu e o Sr. Zé, que era o relojoeiro, inicialmente trabalhava numa filial em Vinhais, mas depois esse negócio foi vendido e veio para Bragança, tínhamos aqui uma oficina de relojoaria”, conta.

Pessoa bem-disposta e extrovertida, “o Sr. Zé” depressa de tornaria no companheiro de “uma vida” de Jorge Moreira. “Durante 50 anos vivemos aqui diariamente das 9h00 às 19h00, sempre em convivência”, um casamento profissional que resultou. “Faleceu há dez anos e foi uma grande perda para mim”, reconhece Jorge Moreira. Na ourivesaria foi colocado um painel com diversos relógios antigos em jeito de homenagem ao Sr. Zé relojoeiro. A Ourivesaria Martins era também uma casa que se abria aos jovens que estavam institucionalizados no patronato, ensinando-lhes uma profissão. “Tínhamos sempre quatro ou cinco”, recorda, um deles, o Armando, ainda hoje é um estimado funcionário da casa, “já lá vão 40 anos”. São 106 anos de história e de estórias que com facilidade Jorge Moreira recorda.

Entusiasma-se quando fala das conquistas, como da primeira Casa de Ótica que foi criada no distrito. “Era nossa, recordo-me bem de ir com o Dr. Moreira Pires (Oftalmologista), com uma malinha a Macedo e a Mirandela, porque lá não havia”. Logo a seguir nasceu a Ótica Transmontana. “Nessa altura que havia muita gente, havia duas casas de ótica, hoje que não há gente são 13 ou 14”, diz. A alegria com que conta a história da casa só se esvanece quando olha para a rua, vazia: “Não se vê ninguém, o comércio é a vida de uma cidade, agora está morta”, reflete manifestando algum desalento. “Nem é só pelo negócio! Eu gosto de trabalhar, gosto de ganhar dinheiro, mas não é só pelo negócio, esta tristeza que vivemos é pela falta de convívio, pelo medo, as pessoas fogem umas das outras”, relata.

Este comerciante compreende a necessidade de confinamento, de recolhimento e distanciamento social, mas não o aceita com facilidade. “Eu e a minha mulher já tivemos COVID e eu sei o que me custou e ainda custa, mas eu se me cruzar com alguém na rua não fujo, uso máscara claro, mas não fujo das pessoas”, desabafa confessando que essa é a parte que mais lhe doi. “Vivemos numa cidade-fantasma, esta peste do século XXI está-nos a destruir por dentro”, lamenta.
“Logo depois do 25 de abril, por causa de toda a instabilidade social, o negócio caiu muito, não se trabalhava, nós eramos sete funcionários e na altura o patrão ainda pensou em reorganizar, mas, pouco a pouco, voltamos a trabalhar e o negócio seguiu”.

Foi esta altura que a emigração despoletou e o regresso desses emigrantes em período de verão era uma lufada de ar fresco para os negócios. “Valorizavam muito o ouro e investiam”, diz. Mais tarde, com a adesão ao Euro nova crise para o setor. “As pessoas faziam contas aos “contos” e assustavam-se, cinco euros era um conto”. Se 5€ parece pouco, “um conto” era visto como muito dinheiro. Nesta altura nem os emigrantes compravam, tinham perdido a margem de lucro que lhes dava o cambio dos Francos (moeda francesa) ou Marcos (moeda alemã) em escudos, “passaram a comprar muito menos”. Mas também esta crise passou à medida que as pessoas passaram a pensar e fazer contas só em Euros. A Ourivesaria Martins está localizada no centro da cidade, mesmo ao lado da Praça da Sé, e tem resistido firme a todas as crises e a todas as modas. Os apreciadores de ouro, atualmente, já não se importam muito com o peso, escolhem mais em função do design, e a Ourivesaria tem-se adaptado. Jorge Moreira diz que não se compra menos há é muito mais oferta, muito mais diversificada, e as pessoas dispersam-se pelos diversos negócios e também pelas compras online de algumas peças. As bijuterias e imitações de joias facilmente se compram online ou em casas de acessórios de moda, mas nada disto aflige Jorge Moreira, com um negócio sustentado na qualidade dos produtos que vende e na fidelidade dos clientes. Na relojoaria, curiosamente e apesar dos smartphones usados vulgarmente para ver as horas, o negócio mantém-se em alta. “Relógios sempre vendemos muito bem, por isso temos muitas coleções de marcas bem conhecidas, investimos muito, porque é um produto com muita procura”, refere. A última conquista da casa foi a representação da marca Timberland®. “É uma marca de referência, tem muita procura, há muito tempo que queríamos ser agentes oficiais e conseguimos”, afirma com satisfação. Coleções que exibe na montra à espera de que as ruas voltem a ter gente, alegria, movimento, vida.